Claudia Leitte se compara a Madonna e Gaga ao relembrar show em Copacabana — números batem, valores não
Revisitar feitos grandiosos costuma ser um gesto comum entre artistas consagrados, especialmente quando o passado ajuda a reforçar a própria relevância no presente. Foi nesse tom que Claudia Leitte, durante uma entrevista coletiva no Festival da Virada de Salvador, evocou o show que realizou na Praia de Copacabana em 2008 e acabou se colocando, ainda que de forma descontraída, no mesmo imaginário ocupado por nomes como Madonna e Lady Gaga. Ao brincar com o apelido “Leitte Gaga”, a cantora reacendeu um debate que vai além de números e memória.
Não há como negar a dimensão histórica daquela apresentação. O show gratuito gravado para DVD transformou Copacabana em um mar humano e ultrapassou com folga a expectativa inicial da produção. Segundo a própria artista, a previsão era de 40 mil pessoas, mas o público teria chegado a 1 milhão. “A gente esperava 40 mil pessoas e chegou a 1 milhão”, afirmou Claudia, ao lembrar que a infraestrutura não estava preparada para tanta gente, citando problemas de segurança pública e a falta de banheiros suficientes para atender a multidão.
O desconforto, porém, surge quando a comparação deixa o campo dos feitos logísticos e passa a ocupar o terreno simbólico. Madonna e Lady Gaga são referências globais não apenas por apresentações históricas, mas por carreiras marcadas por posicionamentos claros em defesa da população LGBTQIAPN+, pelo enfrentamento direto do conservadorismo religioso e pela valorização da diversidade como parte central de suas obras.
É justamente nesse ponto que a fala de Claudia Leitte soa contraditória. Ao longo da carreira, a cantora acumulou declarações e polêmicas que a distanciam dos valores defendidos por essas artistas, especialmente no que diz respeito a sexualidade, religião e direitos de minorias. Reconhecer o impacto do show de Copacabana é legítimo. Se comparar a ícones que transformaram o pop em ferramenta política e cultural, no entanto, exige uma coerência que vai muito além de recordes de público.

