Livro resgata ética travesti do cuidado e destaca Brenda Lee como precursora da Redução de Danos no Brasil

Para uma sociedade que historicamente insiste em tratar travestis como uma minoria descartável, a prática do cuidado sempre surgiu antes mesmo do reconhecimento institucional. Esse movimento de acolhimento entre pares, forjado nas ruas e nas margens, ganha centralidade no livro Nas esquinas do cuidado: Brenda Lee e a redução de danos, da psicóloga Julia Bueno. Fruto de sua pesquisa de mestrado, a obra chega às livrarias pela Editora Telha e propõe um olhar sensível e político sobre corpos que, mesmo desumanizados, reinventaram estratégias de sobrevivência muito antes de o cuidado se tornar política pública.

A partir de uma perspectiva construcionista e feminista, o livro investiga narrativas de pessoas trans e travestis sobre Redução de Danos, cuidado e transfobia, ampliando o debate sobre saúde e direitos humanos no Brasil. Mais do que uma tecnologia de saúde, a Redução de Danos é apresentada como uma prática cotidiana e coletiva, construída nas encruzilhadas do gênero, da pobreza e da exclusão social. Ao evidenciar essas experiências, Julia Bueno reposiciona sujeitos historicamente vistos apenas como destinatários de políticas, revelando-os como agentes centrais na criação de saberes e práticas de cuidado.

“Para mim foi muito importante perceber como existe uma narrativa que insiste em ver pessoas trans apenas como sujeitas marginalizadas que ‘precisam de cuidado’. Quando vamos a fundo na história, encontramos Brenda Lee, Cláudia Wonder, Jovana Baby e tantas outras que foram centrais na construção de políticas públicas e na transformação cultural do país. São trajetórias potentes, mas sistematicamente apagadas, quase como um projeto para nos expulsar da história e negar até o nosso direito à memória”, destaca a psicóloga e escritora

Ao discutir como a transfobia atravessa até mesmo espaços que se colocam como promotores de direitos, Nas esquinas do cuidado defende uma abordagem interseccional da saúde, capaz de enfrentar as estruturas que produzem vulnerabilidades. A obra também funciona como uma homenagem à trajetória de Brenda Lee, figura fundamental no atendimento à população LGBTQIAPN+ décadas antes da consolidação da sigla, especialmente no acolhimento de pessoas soropositivas. Seu legado, assim como o de tantas outras travestis, é apresentado como uma ética potente de cuidado, memória e transformação social.

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Felipe Sousa

Ariano e carioca, Felipe tem 31 anos e há mais de 10 é redator do Pheeno. Apaixonado por explorar a comunicação no cenário dinâmico das redes sociais, ele se dedica a criar conteúdos que refletem a diversidade e a vitalidade da comunidade LGBTQIAPN+. Entre uma notícia e outra, Felipe reserva tempo para aproveitar o melhor da vida diurna e noturna carioca, onde encontra inspiração e conexão com sua cidade.

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