Exclusivo! Suzy Brasil fala sobre parceria com Paulo Gustavo em horário nobre do Multishow
Um dos maiores ícones da arte drag brasileira atual, Suzy Brasil, estreia na televisão em nova temporada do seriado ‘A Vila’.
A 4ª temporada de ‘A Vila’ estreia nesta quarta-feira, dia 29/04, às 22h30 no Multishow, e traz em seu elenco fixo a personagem drag queen Suzy Brasil, criada pelo ator e ex-professor de biologia Marcelo Souza, ainda na sua adolescência.
Com 26 anos de carreira como Suzy Brasil, Marcelo se surpreendeu ao receber o convite para que sua personagem participasse da nova temporada da série. Ele já atua como roteirista de alguns programas do canal.
Embora não seja protagonista, Suzy será uma personagem ‘diário’, fazendo parte de todas as questões inusitadas que acontecem dentro da vila fictícia do seriado, ajuntando a trama a se desenvolver.
A personagem já participou de três temporadas do programa ‘Ferdinando Show’, a qual fez parte do elenco fixo durante a 3ª temporada, porém, esta é a primeira vez em que Suzy Brasil estará presente em todos os episódios de um programa na TV.
Aproveitamos a oportunidade e conversamos com o ator, para saber um pouco mais sobre este novo momento na carreira de Suzy Brasil. Confira como foi nosso bate papo:
Você é um expoente da sua geração, hoje você é ícone da cena LGBT+ nacional. Um personagem criado por você. O que Suzy significa para o Marcelo?
Eu vim de uma época quando a frequência nas boates do Rio de Janeiro era muito determinada pelos shows, então, se você tivesse um bom elenco, não tinha pra outra boate, aquela casa ia encher de qualquer jeito. Sou muito precoce, comecei a me montar com 16 anos em casa, por causa de amigos, mas comecei a fazer show com a Rose Bombom no início dos meus 17 anos. Eu sou muito feliz de ter criado a Suzy, me sinto meio que a Xuxa, no sentido de que tenho gerações de pessoas que curtem o meu trabalho, meu pai gostava da Xuxa, eu amo a Xuxa, meu filho curte a Xuxa e a Suzy chega bem em vários locais. Ela transita desde o lugar mais ‘bagaça’, até o lugar mais ‘fino’ e tem sempre uma gargalhada pra tirar, não importa a calasse, pode ser a bicha mais humilde ou a que se sente mais ‘bambambam’, mas rola essa empatia. Hoje eu percebo, pelo Instagram, que a Suzy tem público hetero, LGBT+, crianças, jovens, adultos de todas as idades, uma proporção que eu não esperava nunca atingir.
O que te estimulou a fazer drag em uma época ainda cercada de muito preconceito e falta de informação?
Na verdade eu nunca idealizei ser drag, eu fazia teatro infantil na época. A drag era um personagem desafiador, óbvio que se vestir de mulher era a realização de uma ‘pinta’ também, mas o que realmente me estimulava era estar fazendo um personagem ‘f*da’, eu não via como trabalho. Tudo começou muito sem pretensão nenhuma, eu fazia show na casa dos meus amigos, de brincadeira, depois um amigo me levou pra fazer show no calçadão de Copacabana, aos domingos à tarde, sem cachê. Rose Bombom me viu, ela era a grande estrela caricata do Rio de Janeiro, quiçá do Brasil, e me convidou para trabalhar com ela. Só depois de alguns anos que eu fui entender que aquilo ali poderia ser a minha profissão.
Como as redes sociais mudaram a arte drag?
Com elas, acabou o monopólio das boates, das casas de shows e dos diretores artísticos. Porque todo mundo, nas redes sociais, pode se tornar uma estrela, ou pelo menos mostrar o seu trabalho. É um palco muito mais popular e justo, até. E aí vem essa enxurrada de informações pra uma galera que não tinha acesso. Quando a gente começou, eu e Rose, nós éramos muito famosa no ‘gueto’, dentro das boates. A gente saia dali e tomava ‘coió’ igual a qualquer uma outra bicha. Então você pensar que essas cantoras (drags) de agora atingiram o que atingiram é maravilhoso. Hoje você tem a garotada botando a cara no sol mesmo, saindo ‘pintosa’ nas ruas, se impondo na família, ocupando espaços de trabalho antes não ocupados, se posicionando. As redes sociais trouxeram esse empoderamento e visibilidade, e mudou tudo.
De maneira geral, o mundo mudou, mas o preconceito continua. Como você superou os preconceitos, não somente como homossexual, mas também por se transformar em ‘Suzy Brasil’?
A gente não supera o preconceito, a gente bate de frente com ele. Só tem duas maneiras de a gente encarar: ou você bate de frente, abaixa a cabeça e bota o rabinho entre as pernas; ou você levanta a cabeça e peita. Minha família sempre me deu muito apoio, isso já outra coisa que te ajuda a passar por cima do preconceito. O preconceito sempre existiu, sempre ouvi piadinha, gracinha, mas a minha postura sempre falou muito mais alto. Eu saio de mulher na minha rua, a rua cheia, domingo, eu saio de mulher e minha família vem todo mundo me abraçar, ou vizinho vem tirar foto, vem elogiar. Eu construí uma vida pra botar o preconceito de lado. Como Suzy, no início era muito engraçado, porque quem era transformista não namorava, não era o que a galera drag hoje vive, drag fica com drag, e tem o gay que tem orgulho de estar com uma drag, mas na minha época drag ‘penava’. Graças a Deus eu sou uma pessoa que não sofreu muito o peso do preconceito.
Durante todos esses anos, em meio a tantas mudanças, o que mudou na Suzy Brasil?
Enquanto a Suzy existir ela vai ter que mudar. A grande mudança veio com a questão de sair dos ‘guetos’ para as redes sociais, falando para todos os públicos, então a gente tem que adaptar a linguagem, tem que ser acessível e tentar não agredir ninguém, porque às vezes, sem querer, você acaba agredindo ou ofendendo mesmo nunca sendo a intenção, porque a intenção é sempre fazer rir, nunca é ofender ninguém. Agora Suzy está no ‘A Vila’, que criança que assiste. Lá é uma Suzy muito mais leve, mais tranquila, menos picante, apesar de ser uma drag no programa. Ela não é uma mulher no programa, ela é uma drag que vai à vila, participar das confusões. Então ela é ‘picantezinha’, mas muito menos que as pessoas estão acostumadas a verem. Na hora que você vai pra televisão e ganha um público infantil maior, é a hora de você rever também como você vai se posicionar nas redes sociais. Eu já venho trabalhando isso, buscando uma forma de não descaracterizar o que a Suzy é, mas suavizar as falas.
A percepção das pessoas sobre arte drag mudou?
Mudou muito, até porque as pessoas têm mais acesso agora. Você encontra drag cantando na TV, sendo entrevistada num programa, na novela, no reality show, nas redes sociais, se tem um contato muito maior e a possibilidade de se ver trabalhos drags diferenciados, o que mostra um lado profissional que as pessoas não viam. Antigamente a galera achava que a pessoa que se montava queria ser mulher e na verdade isso não é a verdade. A percepção entre os LGBTs mudou muito também, hoje em dia as pessoas têm muito menos preconceito e muito menos segregadas. Hoje a galera está muito mais misturada, se permitindo conhecer as coisas. O próprio meio LGBTQI+ se entende e interage melhor entre si. Agora, falando dos héteros, a visão deles sobre a drag tem muito que evoluir ainda. É ‘bonitinho’ na televisão, mas quando está entre os amigos ‘olha o viado aí’, tem muito que mudar ainda.
Você deixou de lecionar para se dedicar à arte drag?
Na verdade a historio é o contrário. Foi com o dinheiro do meu trabalho como Suzy que eu paguei a minha faculdade, comecei a lecionar e diminuí os shows pra poder estar em sala de aula. Depois a situação foi se equiparando até a hora que eu tive que parar de dar aula, porque eu comecei a escrever para alguns programas do Multishow. Quando eu comecei a escrever ‘Ferdinando Show’, a gente teve dois meses de preparação de roteiro, só que como o programa era novo e precisava ser entendido, na hora dos ensaios quando a gente conseguia ver o que estava funcionando ou não, o roteirista precisava estar ali para fazer uma redação final. Como dar aula e ficar um mês fora, atendendo ao set de gravação? Então me desliguei dos colégios os quais eu dava aula por causa do roteiro, não daria tempo para dar aula, porque é o ofício que exige muito, você dá aula no colégio e trabalha em casa intensamente, da mesma forma.
Você já participou de muitos programas de TV, mas agora chegou a hora da Suzy Brasil, sua personagem, criação do Marcelo, fazer parte de um programa de televisão. Como você está lidando com mais essa conquista na sua carreira?
Eu vou falar uma coisa que as pessoas podem achar que não é verdade, mas meus amigos sabem. Eu nunca tive a pretensão de levar a Suzy pra TV, porque eu sempre tive muito medo de mexerem num personagem que as pessoas já conheciam dentro das boates e transformar numa outra coisa. Sempre me realizei muito fazendo a Suzy nas boates, nas festas, sempre me senti completo. Quando eu comecei a escrever o ‘Ferdinando’ e o Majella insistiu que a Suzy fosse entrevistada no programa, eu não queria nem escrever o roteiro da Suzy, mas escrevi. A entrevista funcionou muito e ele me chamou para participar do último programa da temporada, ali eu percebi que a Suzy poderia estar na TV sem se modificar muito. Claro, adaptando o texto, mas sem modificar muito.
Como você reagiu ao convite de participar da nova temporada do ‘A Vila’?
Quando Paulo Gustavo me convidou para fazer a ‘A Vila, fiquei muito chocado, porque no inicio da conversa, eu achei que ele estivesse me ligando para escrever o roteiro. Quando ele falou que queria a Suzy no elenco eu fiquei radiante, justamente porque hoje em dia a gente tem a cena LGBTQIA+ muito variada, nós temos pessoas que estão muito ‘estouradas’ no mercado. A Suzy tem o carinho de muita gente, mas é muito mais restrito na noite, nas boates.
Como é ter uma personagem drag, de sua autoria, no elenco de um programa de televisão?
Estar no meio de um grande elenco e ser repeitado é muito incrível. Durante muito tempo os transformistas foram vistos como marginais – olha a história da percepção aí – e hoje, uma drag estar no meio de um elenco só de estrelas, e você ser tratado de forma igual, isso é uma grande conquista. Então eu me sinto muito mais feliz com esse carinho, esse abraço e essa aceitação dos profissionais de TV, do que com o patamar novo de fama que a Suzy está atingindo.
Qual curiosidade sobre o programa você possa nos contar?
A coisa mais curiosa que vai acontecer no programa é a chegada dessa personagem drag queen. Ela não mora lá, mora na vila ao lado, mas ela vai lá se meter nos ‘trambiques’, e ela dá palpite e participa das cosias como se fosse moradora. Tem convidados em todos os episódios, todo dia chega uma figura diferente na vila. Aconteceram cosias curiosas comigo como o Caio Castro estar no mesmo camarim que eu, trocando de roupa, e eu me esqueci completamente, porque estou tão acostumado a trocar de roupa em boate, então quando ele me viu trocando de roupa levou um susto e disse ‘caramba, você usa calcinha’. Então eu expliquei que os figurinos da Suzy são mais justos ao corpo, então eu tinha que ‘prender a mala’, ‘aquendar a neca’. Acho que a emenda sai pior que o soneto. Acho que a pessoa fica mais assustada ainda.
A partir deste momento, no qual vai ao ar – ainda que em um canal de TV por assinatura – sua personagem, como elenco fixo de um seriado de humor, o que muda na sua carreira?
Obviamente muda a visibilidade, o programa ainda nem estreou e eu já percebo as mudanças. O ‘Multishow’ é um canal fechado, mas é um canal com muita audiência, mas mais principal que muda é a abertura no campo de trabalho. Quando você trabalho um programa desse tamanho, como ‘A Vila’, você conhece pessoas novas, faz amizades, interage com técnicos. A galera que não conhecia o personagem Suzy Brasil, teve oportunidade de conhecer. Quem não conhecia o ator Marcelo Souza, também teve oportunidade de conhecer. Já surgiram novos projetos para TV. Antigamente a Suzy estava muito restrita às boates LGBTs, à noite LGBTQI+ carioca.
Quais os próximos passos da Suzy?
A única coisa que eu posso falar de concreto, para não falar algo que possa não acontecer, é que vai ter Suzy no teatro e vai ter Marcelo no teatro também. Farei a redação final de um monólogo para o Marcelo, mas tem sempre uma pitada de Suzy, embora ela não seja o foco principal. Tem também um espetáculo no qual a Suzy irá interpretar outros personagens, vai ser ‘o personagem do personagem’. Além disso, existem propostas de outros programas de TV, que não sabemos como ficarão depois da quarentena.
Como é ser a representatividade drag de uma geração?
Me sinto muito orgulhoso, muito feliz, mas, principalmente, fico muito preocupado, porque ser a representatividade, uma figura de destaque no meio LGBTQI+ exige muita responsabilidade. Eu costumo dizer que ‘o que a Suzy fala não se escreve’, é pra entrar por um ouvido, rir e sair pelo outro, mas é muito importante o papel da Suzy como uma figura de alegria, uma figura de alívio. Nas minhas redes sociais, a minha fala política é muito leve, muito sutil, porque eu acho que a Suzy tem que ser um respiro no meio desse ‘tiroteio’, a gente vive hoje uma guerra nas redes sociais. Eu quero que o Instagram da Suzy seja uma coisa que as pessoas pensem ‘vamos lá rir um pouquinho, vamos ouvir umas besteiras’. Eu não tenho a menor pretensão de passar um super conteúdo ou de dar uma mensagem mais eloquente. A minha ideia é que as pessoas entrem ali, deem uma gargalhada e só, que se divirtam naquele momento e que tenham um alívio.
Qual mensagem você gostaria de deixar para quem estiver lendo essa matéria?
Minha mensagem é felicidade e alegria sempre. Acredito que a gente só alcança a felicidade e a alegria com muito amor, deixando o preconceito de lado, deixando de apontar os defeitos dos outros, gozando muito, fervendo muito, dando muita ‘pinta’, espalhando muita alegria. Que a gente possa, sempre, não esquecer de exaltar as letras da sigla ‘LGBTQI+’, que a gente entenda o significado de cada letra, mas que a gente entenda também que precisamos ser um grupo só. Cada um com a sua particularidade, mas com a mesma meta, com a mesma intenção, sem preconceito e segurando a mão do outro. Que a gente saiba se impor sim, que tenhamos muito bem definido o que são essas letras, mas que a gente entenda que é um movimento só.