Homens trans que gestam desafiam sistemas de saúde e redefinem a parentalidade no Brasil

A experiência de gestar em um corpo trans segue desafiando estruturas sociais e institucionais, que ainda insistem em restringir a maternidade — e a paternidade — a padrões cisnormativos. A vivência de homens trans com útero, capazes de engravidar, amplia o entendimento de quem pode gerar uma vida e exige atualizações urgentes até mesmo em dicionários e sistemas de saúde. A série “Saúde Transformada”, do g1, trouxe esse debate à tona ao destacar histórias que revelam a transformação em curso na compreensão sobre corpos, famílias e direitos reprodutivos. Entre elas, está a do artista e assistente audiovisual Beijamin Aragão, que descobriu estar grávido enquanto fazia uso de testosterona, dando início a uma jornada marcada por descobertas, alegrias e, infelizmente, violências institucionais.

Pai em 2025, fruto de sua relação com a produtora cultural travesti Ella Monstra, Beija enfrentou obstáculos que vão muito além das mudanças físicas da gestação. A começar pelo plano de saúde, que simplesmente não reconhecia a possibilidade de um homem trans engravidar — mesmo com todos os seus documentos retificados. Para conseguir atendimento com uma obstetra, ele precisou que o próprio plano alterasse seu gênero para feminino no sistema, em um processo humilhante que expõe o despreparo das operadoras e a desumanização de corpos trans nas políticas de saúde.

A falta de preparo do sistema não é caso isolado: um estudo publicado na revista científica Physis destaca como as experiências de homens trans gestantes são marcadas por enfrentamentos e exclusões, refletindo uma sociedade que ainda tenta invisibilizar essas vivências e negar direitos reprodutivos. Do agendamento de consultas à recepção hospitalar, passando por protocolos médicos e formulários engessados, as barreiras burocráticas vão se acumulando e reforçam o quanto o cuidado em saúde ainda precisa evoluir para abraçar a diversidade.

Nem mesmo o nascimento foi livre de entraves. Ao receber a Declaração de Nascido Vivo (DNV), documento essencial para registro civil, Beija e Ella enfrentaram mais uma situação de apagamento: o sistema associava automaticamente a pessoa que pare como “mãe”, ignorando configurações familiares diversas e identidades de gênero. Isso aconteceu mesmo após o Ministério da Saúde, em 2022, atualizar orientações para substituir “pai” e “mãe” por “responsável legal”, justamente para evitar situações como essa. O episódio reforça a urgência de capacitação, sensibilidade e atualização nos serviços públicos e privados, garantindo que famílias trans existam plenamente — no papel, no cuidado e no respeito social.

Felipe Sousa

Ariano e carioca, Felipe tem 31 anos e há mais de 10 é redator do Pheeno. Apaixonado por explorar a comunicação no cenário dinâmico das redes sociais, ele se dedica a criar conteúdos que refletem a diversidade e a vitalidade da comunidade LGBTQIAPN+. Entre uma notícia e outra, Felipe reserva tempo para aproveitar o melhor da vida diurna e noturna carioca, onde encontra inspiração e conexão com sua cidade.

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